terça-feira, junho 13, 2006

Antídoto: road movie


Nada de cartas de amor. No dia dos Namorados, brincaram de Enfermeirinha dedicada ao doente desprovido.

Como ele me disse no carro, você verde, eu amarelo. Ganesh!

"Me decompunha enquanto o Brasil fazia o gol da vitória, na última copa." Que Belo! Aquele corpo desfazendo-se na cor pérola do sofá (pude imaginar...).

Helena tentou pensar em 10.000 mil assuntos que a pudessem distrair do tema onipresente, e quase sufocante, da copa, Brasil, verde/amarelo, campeões, grama, bola, complexo de inferioridade, complexo de superioridade física ou/e fisiológica, competição, etnocentrismos, Hexa, FIFA, guaraná, Ronaldos, popozudas, cerveja Brahma, e etc...

Cada assunto surgia acompanhado de um ícone em forma de sino. Evidentemente, nenhum valia a pena ser pensado. Foi então ao seu escritório, que resume-se à uma mesa, uma estante repleta de livros já lidos diversas vezes, e um tapete vermelho. Copiou um texto ao acaso, algo escrito há tempos atrás. Melhor do que calar-se ou tornar-se mais uma onda sonora deste eco desproporcionalmente ufanista.
Segue: CtrlC - CtrlV.


Helena saíra de casa as 11:30. Precisou com o indicador a linha reta que levaria a ponta dos dedos da mão ao botão do elevador. "Seguir em frente" era o tipo de frase cuja mensagem estava gasta. Enquanto inclinava timidamente a cabeça para salutar um vizinho desconhecido que entrara no elevador, Helena pensou que talvez “seguir em frente” não somente haveria um significado pouco revelador para aqueles que se perdem numa floresta, como também não adiantaria transpô-lo a uma condição existencial, já que tudo enfronha-se Nela assumindo as mais diversas formas, menos a de uma linha reta. Para Helena, que agora caminhava no estacionamento deserto, a única linha reta que parecia poder eventualmente atravessar sua existência; era uma faca, uma grande faca afiada. Apertou o botão unlock da chave do carro e, na verdade, não sabia exatamente para onde se dirigiria, nem por quanto tempo ausentaria-se da casa, do trabalho, dos filmes, dos livros. Contudo, levara 300 reais no bolso. Money…Lembrou-se das caixas registradoras de Pink Floyd, molejou o corpo no ritmo da musica, e foi em direção ao Gol 1.0, preto, placa LNK 1166. Colou na calça o bolso (vestia o ultimo lançamento de uma marca conhecida estilo high-tech, uma calça-mural, tudo podia colar-se nela, inclusive o bolso e os papéis dentro ou fora dele), entrou no carro,sentou-se, fechou a porta, respirou e girou a chave. Deu a partida, sabendo. Sim, como sabia. Aquela, era uma partida para o abismo em chamas… Ainda bem, piscou Helena, porque se ha chamas na base profunda, a fumaça sobe, sobe. E se meu corpo cair no fundo, a fumaça sobe e meu corpo evapora. Une-se ao que ele realmente é e não é paralelamente, superpondo morte e vida como num acender e apagar da luz elétrica numa sala de estar. Estarei sempre nesta sala de estar, queiram me vejam, queiram não me vejam nunca mais. Helena pensou em silencio no significado da palavra União evaporando-se na paisagem corrida além do vidro do carro. O velocímetro alcançou 110 km/h. 110, não, agora 120km/h, agora 140. Sim, estagnou-se inexplicavelmente no 140, o que, veja bem, longe de ser o suficiente para levitar no asfalto, nestas estradas, meu Deus, cheias de cascalho, pedaços mínimos de cimento descolado, fundido, buracos, pedras e pedregulhos trepidantes, nestas estradas, meu Deus, nenhum pneu resiste. E assim, suas vozes internas estabeleciam um estranho e aparentemente desconexo dialogo palavreando simultaneamente o Significado da palavra União e a aflição de ver-se dali a algumas horas, de quatro, tentando,desvendar os mistérios de um macaco ao trocar o pneu de seu carro. Pediria ajuda, no meio da estrada vazia, a um desconhecido qualquer ? A pergunta vadiou por alguns minutos. Helena resolveu ligar o som. Não, não, Maria Betânia eu te amo mas não é o momento… Virou o porta-cds. Ha! Beatles! Magical mystery Tour! Os Beatles eram do bem, pensou Helena feliz, eram com certeza, poxa, make love don’t make war é uma mensagem pra lá de contemporânea. Tudo bem, Fernando tem razão, eles tinham milhões para bancar qualquer orgia universal. Mas, mesmo assim, meu amigo, falecido Fernando, os Beatles estão certos, e make love pode muito bem não ser orgia nenhuma mas; União. De novo, mais um círculo, uma repetição levara Helena aquele silencioso assunto União, desta vez posto em confronto ao Magical Tour, às agulhas de um indecoroso amor passado, Ufologia, e novamente, União e o Significado da palavra Orgia. Helena acendeu prazerosamente o Malboro Light. Quem estaria percorrendo a estrada de Cunha, numa terça-feira as 2:00 da tarde? Ninguém, obvio. Mesmo assim, erguia-se como um absurdo, o poste indicando um sinal vermelho no meio da estrada de Cunha as 2:00 da tarde. Ali, naquela estrada inabitada. Espantoso foi ver Helena respeitar aquele sinal completamente obsoleto como se estivesse vislumbrando passagens de ar atravessando a estrada nesta terça-feira, neste exato momento, no ponto inexplicavelmente determinado por um sinal de transito. Ficaram rijos, ordenando a ventosa paisagem, Helena e o Sinal. De repente, acenou o Verde e a pele de Helena rosou, ela acelerou, convicta, orgulhosa, completa, feminina. Seria esta a felicidade experimentada por um cidadão modelo? Seria Helena o protótipo do motorista-cidadão perfeito? Finalmente, dentro do carro,o que constatávamos era a faixatura no pé esquerdo de Helena sacrificando-se ao pedalar corretamente, um certo cheiro de suor derramado no veículo as custas de três dias passados sem banho, vidros fumés isolando o ambiente e o ar condicionado amalgamando todos estes estímulos sensoriais aos pensamentos de Helena, livre e rosada, vivendo seu road movie interior. Os pensamentos produziam gazes transparentes em torno de sua cabeça, delineando uma sutilíssima auréola angelical, Helena estava quase que acorrentada a este novo e imponderável ambiente simultaneamente celeste e odorante. De celestial, desdobravam-se abundantes imagens mentais da jovem ao volante, imagens de um homem feito de 1 metro e oitenta e cinco de pura carne amorenada rolando numa cama em frente ao mar, enroscando-se nela aos beijos e sonhos azulados. A paisagem corrida do lado de fora pulsa e ondula lentamente, azulada, inteiramente protegida pelo magma que a terra aberta desvenda aos olhos da carne. Dos odores, além dos pormenores daquele presente – Helena, suja, imunda e úmida- dentro do carro, existiam os perfumes, as fragrâncias, a pura química invisível que os corpos deixam escapar, sem querer, e comunicam-se, sem querer, quietinhos dentro de um elemento seu; fugidio, o suor por exemplo, o cheiro entre as coxas e no bico apertado do peito…