segunda-feira, julho 31, 2006

nesga romântica

Teus abraços são ocos e você me afasta.Devagar. Como quem tem preguiça de conquistar. Pra quê?

Teu sorriso anda sereno demais. Minhas marcas sumiram. Teu olhar caridoso teve pena de nos. E elas sumiram.As marcas. Caminho lisa. Sem numero. Sem dor.

Esta me diz (e acende alguma coisa) :
_ Melhor assim.

A beleza vem de outro lugar. E minha saudade cava um buraco de dentro para longe de ti. Tua beleza é somente uma beleza. Sem fim.

Estou presa neste buraco. Como quem teme o que de si está por vir.

Minha vontade de amarrar num pano marrom as coisas que me vestem que me fazem. E pegar estas ruelas. Para sair deste buraco, levarei dias e dias sem fim. Desamarrei esta trouxa marrom. E visto as roupas que me fazem e elas não falarão mais por mim. Na estrada meus pés. Sinto-os leve. Não os sinto mais. A estrada vem...

Olhar para cima e sentir medo. As coincidências ali não se inscrevem mais. Tudo Deus dará. E Deus é casto. E cego. E minúsculo. E louco. E preguiçoso.O que ele, impreciso, pode nos dar?

E sorrir. sorrir. sorrir. sorrir. E gargalhe, se preferir.Quando no meio da garganta vislumbrar o buraco dos teus olhos. Os teus olhos não existem. Espelhos d'água. Somente espelhos e sexo. Sem origem. Translúcido é o olhar do Deus que dará. Quando estiveres preste a pegar as ruelas e sair do olhar. Saborosos raios de sol. Quando sair do buraco, teus olhos estarão na jugular. Saborosos. Os raios de sol.

E agora, correrei até nossa cama. E você já dorme. Acendo a luz. Num ímpeto, quase sem fôlego para dizer que você me afasta. Você me afasta. E é a pura verdade. Você me mantém a distância. Só assim, consegue comigo dormir todas as noites. Nesta cama branca. E você não abrirá os olhos e voltará a dormir. Sem culpa. No eterno não há culpa. Teu sono profundo. E não conseguirei dormir. Talvez meu dilema seja católico. A culpa. E no café da manhã adormecerei. Minha cabeça tombará sobre a xícara cheia de café. Você comerá o pão com queijo. O suco de laranja. E ao teu lado, eu durmo sem você. Vou indo... para as ruelas que te falei.

sexta-feira, julho 14, 2006

sinais fortuitos de novos tempos....

Se alguém entrasse neste corredor (onde estamos Gustavo e eu agora mesmo) desejaria não estar aqui. Não que a cena fosse dilacerante ou insuportável. Não que estivéssemos comendo nossas respectivas fezes. Por mim posso garantir nunca ter experimentado os detrimentos de Gustavo. Quanto a ele, talvez soubesse mais sobre o caso, de maneira indireta, logo após algumas sessões de sexo anal que tivemos. Mas, foi no passado! Há como almejaria agora estar deliciando-me ao relatar as sessões de gula escatológica. Porém, como ia dizendo, neste corredor a cena é minimalista e assexuada. Estamos Gustavo e eu, de pé um na frente do outro. Não nos encaramos (não valeria a pena). Estamos em silêncio. Estamos praticamente imóveis. Meus braços caem relaxadamente e os de Gustavo estão cruzados. Ele parece sentir frio. Eu me mexo. Pouca coisa. Tento aproximar meu rosto do dele. Aproximar somente. Por nenhum motivo específico.Foi-me recusado. Talvez Gustavo tenha imaginado ser uma expressão de desejo, ou talvez mesmo de amor. Acho que Gustavo ficaria quase que contente se soubesse que me incomoda a sensação de estar ali, fazendo parte desta austera cenografia como um objeto perdido. Prefere o meu desconforto ao melodrama amoroso. É mais sóbrio, diria ele, portanto mais maduro e verdadeiro. Eu no fundo, acho um equívoco confundir maturidade com veracidade, como se o tempo contivesse em si degraus que levam ao SENTIDO. Besteira. Pensando assim, cairíamos sempre num raciocínio tautológico. E de fato, neste longo corredor parecíamos um teorema, o tempo hipnotizado, e nós dois como prova cabalística do NADA é NADA e vice-versa. Vocês entraram justamente no momento em que o teorema completava o rodeio da questão do SENTIDO. Isto é, continuamos ali, parados, mas agora (pelo menos no que diz respeito a minha pessoa) com dúvidas e um certo formigamento nos pés. Ouço a porta bater. Ouço alguns passos. Demoro em reabilitar os movimentos de meus membros. Então, não giro meu rosto. Vocês não passam de sons, ruídos e calor. Sim, sinto a presença de corpos estranhos pelo calor. Acho que sim. Não posso garantir. Gustavo e eu, neste corredor, como se estivéssemos num vídeo clip da Björk. Cenário tecnológico, infantilizado e macabro.O estado de espírito primitivo, muito primitivo. Se não fossem aquelas paredes envidraçadas e os contornos de aço inoxidável, teríamos a certeza de termos sido catapultados para o interior de uma caverna no tempo em que a comunicação desconhecia os gestos. Se é que este tempo jamais existira. Um tempo sem linguagem. Aonde cada individuo de uma sociedade seria acima de tudo uma caricatura da solidão. Este sentimento tão primitivo. Esta Coisa. Então eu não pude vê-los (Gustavo tão pouco). Vocês estavam junto à porta e nós permanecemos imóveis. Foi um caso típico do encontro que poderia ter acontecido, se não fosse a solidão a desenhar impossibilidades. Esta Coisa sólida cujas propriedades estanques não se misturam. Vocês caminham devagar. Parecem amedrontados. Porque? Não querem experimentar uma dose de eternidade? Gustavo encarou-me. Ele não sorriu com os lábios. Não precisou. Eu retribui a graça. Meus lábios juntaram-se formando uma meia lua silenciosa. Daqui, Gustavo e eu sabemos ser pouco recomendável olhar para trás. No passado estão vocês e suas coisas. E para o futuro? A frente do ponto aonde estamos neste corredor de vidro e aço? Gustavo levantou a sola dos pés, jogou o corpo levemente para frente, apertou as pálpebras. Espiou. Depois, voltou para sua posição inicial mostrando um certo desinteresse. Bocejou. Pensaram que eu não os vi, curiosos, dando outros curtos passos para frente, hein? Pois bem, eu não vi mesmo. Pressuponho que assim tenha sido quando ouvi os passos vindo do passado dentro do bocejo de Gustavo. Eu teria cuspido. Sem dúvida. Mas ele apenas fechou novamente a boca, trancando tudo aquilo dentro de si. O corpo pesado e lânguido de Gustavo soltou-se contra a parede de vidro. O dia está nublado. A paisagem é imprecisa. Uma massa de vapor cinza orna a silhueta de Gustavo.Vocês já estão indo?? Calculo que faltam apenas 101 longos passos para nos encontramos. Vocês desistem? Ouço a porta fechar esvaziando o nosso passado. Vocês resolveram nos deixar a sós. Nosso passado agora às moscas. E nosso futuro agora na boca do Inferno.

quinta-feira, julho 06, 2006

ROTEIROS (x2) de longas Premiados!

Olá amigos, tenho boas novas:
Além de no ano passado o roteiro do filme de longa metragem "PONTO ORG", que eu escrevi junto com a diretora Patricia Moran, ter ganho o prêmio do Governo de Minas, antes de ontem, recebemos a Maravilhosa notícia:

O roteiro de "Deserto Azul", que eu escrevi junto com o Eder Santos ( incrível e diretor do filme) ganhou a PETROBRÁS!

Aguardem então com impaciência ( prometem bons e profundos frutos) as estréias dos filmes:

***** DESERTO AZUL
e
***** PONTO ORG

ambos com MANU SOBRAL no roteiro, huaaaaaauaa!!!

manu sobral em roma - exibição de Hilda. Venham Todos!

Esta é uma mostra de vídeo que inclui o documentário que rodei na Baixada Fluminense, periferia do Rio de Janeiro, com Ilda Prado. Ilda, infelizmente assassinada no ano passado com 5 tiros nas costas, é a líder de um mutirão de mulheres do bairro de Capivari. Elas assumem a entidade de JUSTICEIRAS e organizaram um grupo de extermínio que liquidou com os estupradores locais, assim como com os que cometem crimes contra a Mulher e as Crianças. Ilda ( que no vídeo tem o nome artístico HILDA) também foi líder do MST e responsável pelo assentamento de mais de 500 famílias na Baixada Fluminense e ocupação de galpões abandonados para a implementação de fábricas empregando a população local. O vídeo é uma coletânea de encontros e conversas gravadas na casa de Ilda e arredores. A imagem é trabalhada no computador afim de sintesar o que esta figura e este discurso socio-politico e criminal possa vir a representar enquanto símbolo. O discurso foi mixado em forma de poesia concreta. Sagas urbanas do mundo em via de desenvolvimento (ha.ha).
O vídeo estará sendo exibido em looping do dia 11 de julho ao dia 21 de julho na galeria :

COMUNICATO STAMPA

IL SOLE ARTE CONTEMPORANEA

RASSEGNA DI VIDEOARTE
Artisti:
Marco Baroncelli, Mihaela Cavdanska & Dilmana Iordanova, Dina Dancu, Iginio De Luca, Roberto Piloni, Manú Sobral

Luogo espositivo:
IL SOLE ARTE CONTEMPORANEA, via Nomentana n. 169, Roma,Italia

Inaugurazione:
martedì 11 luglio 2006 alle ore 18:00 presso la galleria IL SOLE ARTE CONTEMPORANEA


Durata dell’esposizione:
fino al 21 luglio 2006


Contatti:
tel. 06/ 4404940-06/44251315; e-mail: ilsoleco@ilsoleproject.191.it - ilsole_arte@tin.it


Orario:
15:30-19:30 dal martedì al venerdì


Nelle due sale nuovamente spente della galleria Il Sole Arte Contemporanea, questa volta si affronta il tema del linguaggio video con l’intento, specifico, di evidenziare le varie possibilità espressive di tale medium. Il raduno presenta sei artisti con un’opera ciascuno, la metà dei quali sceglie di appartenere ad Amore (M. Baroncelli, M.Cavdanska & D.Iordanova, Manú Sobral) poiché i relativi video mostrano venature di eloquenza, musicalità e policromia narrativa; mentre gli altri tre artisti si accostano a Psiche (D.Dancu, I.DeLuca, R.Piloni) per i propri lavori disadorni, asciutti e ieratici. Tale rassegna chiude la proficua stagione espositiva di questa galleria sottolineando, nuovamente, un interesse ad ampio spettro per le diverse espressioni linguistiche in seno allo scenario artistico contemporaneo









terça-feira, julho 04, 2006

Qual é o seu estilo?

Fabulous zio Alvaro disse :

" Elite branca é poodle."

Dois frangos grelhados


Devo ter acordado muito tarde. Estava deitado na cama ainda feita, por cima da colcha peruana.

Ainda que a luz do quarto fosse pouca,o rosto dela não me era completamente estranho.

_ Vamos comer? A gente já podia ir jantar.

Disse isso deitando-se confortavelmente ao meu lado e levando as mãos para trás da cabeça. Aquilo me incomodou.

_ Desculpa, mas... a gente... se conhece?

Ela sorriu. E ficou séria.

_ Você prefere meu rosto maquiado?

Resposta desconfortante para o romântico que sou.

_Prefere?

Tossi. Tossi outra vez e pude sentir um pouco de catarro preso em algum lugar entre meu pulmão e minhas cordas vocais.

_ Não, para mim, tanto faz.

Com ou sem maquiagem, eu quis dizer. Entrei no banheiro e frente ao espelho perguntei à minha imagem se ao menos ela, sabia de quem se tratava. Minha imagem apenas repetiu mecanicamente a minha pergunta e depois, comigo, calou-se. Tinha ali, em cima da pia, as caixinhas de som. Liguei-as. Alice Coltrane. Veio-me então trechos da noite anterior e sobretudo a silhueta de Helena sutilmente delineada meio ao vapor d'água. Depois os ruídos vindos do corredor. Eram as próteses. E a partida de Helena. Gritei para que ela, do quarto, me pudesse ouvir.

_ Você é a Minalva?

_ha-ha! Sai do banheiro, Flavio! Desde ontem... Você só faz entrar e sair do banheiro. Algum erro de programação... vírus? ha- ha-ha-ha! ....Vamos comer e depois vê se procura um médico!

Minalva não era de se jogar fora, afinal. Um pouco alta demais, talvez, para meu discreto porte, mas de certa forma, mesmo este excesso estrutural poderia auxiliar uma noitada boa. Sim, não era simples, não, de modo algum, da noite para o dia, ou melhor, da noite para a noite posterior, ver-se largado as traças. Ou melhor, torna-se uma grande pequena Traça, desnorteada. Perigosíssimo perder a precisão no que diz respeito ao pensamento; desconcentrando-se. Como isolar um impulso nervoso cerebral? Como controlar com exatidão e cautela os movimentos de meu próprio corpo, as manifestações de meu próprio circuito no espaço do Real? Não menospreze, meu amigo, não menospreze a metade que está fora de teu corpo! Nunca! Ela pode, sem nunca te dizer uma só palavra a respeito, ela pode, conhecer a direção que você, somente, superficialmente, pressente. Helena sempre me soube à deriva.

_ O que que você tá dizendo?

Minalva formulava a pergunta enquanto forçava a porta do banheiro. E entrou. Eu estava cortando as unhas. Sim, posso tranqüila e abertamente admitir e assumir minha metrosexualidade. Não gosto, de fato, de sair ou entrar em um local público tendo as unhas desarrumadas e sujas.

_ Nada. Gosto de bater papos cabeça com as minhas mãos.

Ela deu uma gargalhadinha estridente e desagradável.

_ É, prossegui calmamente, Melhor assim do que ficar em público, sem pudor, predizendo o fim do sistema solar, o fim da espécie humana, o fim disso, o início de uma nova e estonteante Era, ou então, a Máxima! Adoro esta parte! O Aquecimento Global! Os oceanos transformando-se numa enorme sopa de peixe borbulhante...

_ .. uf..

_ meu ponto de vista.

Repeti como que para reconhecer firma.

_ É exatamente este o meu ponto de vista.

_ Sério?

_ Sim.

_ Alienado, julgou-me com um certo nojinho.

Afinal, era sim, como havia intuído; um pouco apegada demais para ser sagaz o suficiente. Aliás, todos os gestos de Minalva começavam a tomar proporções extraordinariamente invadentes, como por exemplo, no momento em que esborrifei em meu queixo, proeminente, vale salientar, o creme de barbear, ela abaixou a calcinha, levantou o baby doll verde, e sentou no vaso sanitário. Dispenso da narrativa o fundo sonoro.

_ Porque quê você esconde a tua idade?

Mijava.

_ Eu nunca escondi a minha idade.

Era difícil falar tendo a navalha no queixo. Sou daqueles amantes da navalha acima de qualquer novidade relativa ao modo de se barbear. Minalva levantou-se e olhou minha imagem no espelho retangular do banheiro. Talvez este fora o instante de maior cumplicidade entre nós, Ela e Eu olhando juntos para uma só Imagem, compartilhando, dentro de meu lavatório, os Outros de Nós, que ali nos observavam. As nossas caras planas fora de nossos corpos.

_ Então, quantos anos você tem?

_35.

_Quantos?

_ 35.

Aquele momento foi ... memorável. Enquanto eu pronunciava (sim, tenho esta característica da fala vagarosa, excessivamente lenta...) trinta e cinco, ela, passava e repassava o rímel verde nos cilhos. Parecia, pensou a minha imagem que do espelho nos analisava, uma coreografia ensaiada. Um Musical estrelando o dueto Betty Boop e o Gato Felix.

Chegamos à rua Purpurina. São Paulo, capital. O local estava lotado e mesmo assim, mesmo em um ambiente propício ao anonimato, não nos foi concedida à graça da privacidade. Todos fitavam sem pudor a bela Minalva e seus cílios verdes, longos e agitados. Dávamos a devida continuidade ao Musical.

_ Meu cigarro acabou, tem pra vender aqui?

_ Só Hollywood e Free.

_ Tá. Pode ser um Hollyday.

O garçom, suspendendo acrobaticamente aquela enorme bandeja florida na mão esquerda, girou o corpo e partiu em busca do cigarro. Reparei na maneira polida com a qual o garçon se movia. Uma corda bamba ou uma cerca elétrica parecia delimitar a fronteira entre seu corpo nu e seu uniforme. O Uniforme engomado parecia uma caixa contendo um objeto flutuante : o corpo do Garçon. E ele, equilibrista, devia imperativamente respeitar a regra do jogo, a de não permitir, em momento algum, que este objeto flutuante roçasse a caixa, o quê evidentemente comprometeria a vida tanto do Uniforme quanto a do Corpo. Pois, amalgamando a Vida profissional do Uniforme com a Vida sentimental do Corpo nu estaria pondo em risco o seu ganha pão, suas dívidas, os dois anos que lhe restam para completar o curso de Gastronomia e finalmente nunca chegar a ser o tão esperado Chef Wellington Lerouge.

_ O quê que cê tá pensando?

_ Porque diabos as mulheres devem sempre achar que os homens estão sempre pensando algo, como se quisessem manter no ar o mistério dos sexos? Porque simplesmente não aceitam que alguém pode não pensar em nada?

O Equilibrista chega à mesa desculpando-se. Minalva não deu-lhe imediata atenção.

_ Porque as mulheres não costumam sair com monges zen-budistas, irritou-se.

_ A Senhorita vai me desculpar, mas o nosso estoque de cigarro acabou.

_ Que merda.

_ Desculpa Senhorita?

_ Tem alguma banca ou barzinho que venda cigarro por aqui?

_ Tem sim senhorita. Uma banca girando a esquina à direita e o sujinho ali na frente.

_ Ha... Tem como alguém ir lá fazer esse servicinho pra mim?

_ Desculpa mas não tem não... A casa não permite aos funcionários deixar o estabelecimento em horário de funcionamento, disse ele. Desculpa, mas a casa não permite.

Abismei-me. A resposta do Equilibrista soou tal qual um sombrio presságio: Estado de sítio. A Hora em que a Casa não permitirá a saída de seus Habitantes. Inesperadamente, eu e a semi desconhecida Minalva, saíamos às pressas do Musical, metamorfoseando-nos a contra gosto, adentravámos as cenas mais cruéis de ExistenZ, guiados pela voz solene do Equilibrista - o Garçon de Hadès. Devo ter ficado pasmo por alguns longos segundos, submerso nas imagens mentais que fizeram daquelas palavras um cenário apocalipticamente macabro. "A Casa não permite a saída dos Funcionários".

_ Que merda. Então tá certo.(ela dirigiu-se a mim) Vou lá então, já volto.

_ Você vai?!

_ Ué, vou... que espanto todo é esse Flavio? Só vou ali comprá um cigarro.

_ Eu achava melhor você ficar.

_ Aí besteira, Flavio!

_ Não, não é besteira. Digo isso por causa dessa chuva. De uma hora pra outra pode engrossá...

Tomei um gole e segurei com ternura a mão de Minalva. E agora, eu percebia: como são longilíneas, as mãos de Minalva!

_ Ontem saiu no Estadão que só neste mês choveu 3mm: recorde de chuvas desde que as medições começaram em São Paulo.

Ela debochou. E depois adocicou.

_ Tá certo, amor. Mas eu vou lá só um segundinho, atravesso a rua e rezo pra nenhum raio me cortar em pedaços, ok?


Apesar da apreensão, tive de aceitar: o risco é remoto. E neste exato momento, apenas agora, dei-me conta de que o Equilibrista continuava ali, ereto, frente a nossa mesa, a espera. Encarei-o.

_ Sim?

_ Os Senhores já escolheram o prato?

Minalva já estava longe quando fui perguntar o que ela queria. Logo, decidi unilateralmente.

_ Dois frangos grelhados com legumes, por favor.

_ Dois frangos?

Porque haveria este Garçon de ser tão autômato e estar sempre à deriva do presente, estampando as mais estúpidas expressões faciais para qualquer banalidade questionada? Porque ele está olhando-me fixamente ao repetir "Dois frangos?", acrescentando a eles este beato ponto de interrogação, como se meu pedido fosse um abissal absurdo? A Febre Aviária não chegou ao Brasil, tive vontade de dizer. Eu posso comer dois ou dez frangos se quiser. Enquanto a Febre Aviária não chega, EU quero aproveitar para comer Frangos sem stress, pois quando a Febre Aviária chegar ao Continente Latino Americano, eu vou sentir medo de comer dois Frangos, e provavelmente virarei bovinófilo por tempo indeterminado, ou mesmo radicalmente Vegetariano por tempo indeterminado, pois o medo quando se instala na pele humana e dentro dela, demora, demora muito a ser expelido, por isso indago: Será pedir demais que me venham 2 frangos e legumes na Grelha, Por favor, Se for possível, se este Estabelecimento aparentemente gerido por Nostradamus aceitar , Obrigado.

_ Dois Frangos Grelhados ? ele repetiu.

_ Sim, com legumes, por favor.

Bebi outro gole e mirando o horizonte, vi a silhueta magrela de Minalva parada na calçada fumando e conversando com um tipo vestido de preto. Pareciam amigos, mas de longe lembravam dois mudos trocando fumaça. Gesticulavam.

Os frangos chegaram. Obrigado, mais alguma coisa, não obrigado. Acenei: Minalva! Ela evidentemente não parecia ter pressa, então me respondeu com um longínquo e amável sorriso.

Assim sucederam-se os fatos. Sim. De longe, como disse, o sujeito parecia do sexo masculino, vestido de preto, não reparei bem nos detalhes da indumentária, não me interessava afinal, naquele momento, nada além do meu delicioso frango grelhado e algumas divagações sem muito nexo. Mas agora, de perto, me pergunto se aquele sujeito era mesmo do sexo masculino.

_ Detesto frango.

Quando penso (em nada) enquanto me alimento, costumo fixar os talheres e os movimentos de minha própria mão. Portanto, "detesto frango" veio a mim como uma frase inteira e unicamente sonora.

_ Detesto frango.

Até que levanto o olhar (aquela voz me era familiar demais), e deparo-me com Ela. Vestida de Preto. Decote delineando seus pequenos peitos arrebitados. O cabelo meio preso. Os olhos Pretos. Mal humorados. Aquela voz rouca.

Sei que deveria ter tido outra reação, menos....menos, racional, menos embrutecida, mais saudosa... mais surpresa e emocionada. Enfim. Arrebatado por esta confusão de sentimentos, perguntei por ela.

_ E Minalva? ? Cadê Minalva?

Ela começou a rir. Começou a perder a vergonha, de tanto rir. Começou a se avermelhar, de tanto rir. Suas bochechas vacilavam nervosas. Roxas gargalhadas. Ininterruptas. Finos jatos. De baba saiam do buraco. Da boca.

Aquilo deixou-me extremamente: desconfiado. Calei-me. Nunca deveria ter perguntado por Minalva. Nunca deveria pronunciar outro nome de mulher que não fosse o dela em sua presença. Que falta de tato, seu brutus cavernícola! Cruzei os dedos e discretamente, espiei em torno de mim. Nada de manifestamente cômico. Levantei as sobrancelhas. Ela deve estar sentindo-se confusa, pensei.

_ Eu também estou feliz... e... confuso... de te ver... Achei que você tivesse abandonado o barco. Achei que ...na verdade, nem eu sei direito o que achei, as vezes... você tá linda mesmo.

Ela sorriu. Com prazer. Aquilo me entusiasmou. E aconteceu. Saiu de meus lábios:

_ Gostosa...

_ Assim que eu gosto... A única coisa que você falou em 2 meses... que me interessa...

_ Essa é boa.

_ Boa, né? Ótima!

Como ela Cresce e fica sexy quando se sente Gostosa. É verdade! Tinha esquecido disso. Tanto tempo. Agora me lembro. E a quero de volta.

_ Continua...

_ Continuo...

_ Você me chupa chegando em casa? Me beija na boca?

_ Em todas...

_ Me lambe?

_ A perna, a coxa, a bucetinha linda...carnudinha....

_ Então vem cá...

Passei meu torso por cima da mesa e encostei meu rosto no dela. Quanto tempo. Agora senti novamente. Tanto tempo. Ela coçou minha orelha com a língua. Voltei a me sentar. Meus lábios, podia senti-los, estavam macios. As veias do meu pau. Pulsaram. Quero te comer. Quero enfiar meu pau na tua buceta. Quero enfiar meu pau no teu cuzinho maravilhoso. Quero tudo. E antes de tudo. Chuparei tua bucetinha formosa. Um chupão dos tempos de escola. Nos muros das festinhas. As bocas daquelas meninas...
Larga esse frango grelhado que você detesta e vem comigo para o banheiro...

_ Vai na frente que eu já te encontro.

Levantando dei um jeito de posicionar minhas mãos na frente do zipper. Não me apetece muito esbanjar minhas ereções em lugar público. Fui em frente. Deixei a porta do Masculino: entreaberta.

Ela nunca veio. Tive de me contentar com aquela punheta. Meu gozo percorreu uma linha reta que acabou num ponto fora da porta, entreaberta. E o Garçon-Equilibrista desviou. Não foi exatamente o que estava esperando, mas, enfim, uma punheta altamente inspirada: não há de ser subvalorizada. Não conseguia pensar em nada. Ainda desfrutava o auge da libertação. Dois meses de castidade. Aquele gozo no Masculino havia deixado-me por alguns segundos: cego, surdo e burro.

Até hoje não entendo racionalmente o que terá acontecido na Rua purpurina. Recapitulo. Sento-me com Minalva. Ela levanta para comprar cigarro. Peço frangos grelhados. Demoram. Divago sobre o universo. Os frangos chegam. Minalva conversa com um sujeito de preto. Eu como. Uma voz interpela-me. Vejo. O sujeito de preto está à minha frente. Engasgo. É a sósia de Helena (no cio). A conversa esquenta. Fazem dois meses que Helena abandonou o lar. O nosso lar. Helena está na minha frente. Ela está quente. Muito quente. Olhei em volta e não vi sinais de Minalva. Minalva teria sido apenas uma ilusão de ótica, estranhamente alimentada por 2 meses? Minalva teria encontrado-se ali naquela esquina com Helena e trocado de papel com ela? Helena e Minalva estavam brincando de Buñuel? O Equilibrista passa na frente do Masculino desviando do jato que meu pênis expele para fora da porta. Nota 7 para a punheta expressa.

Agora já estou de volta à mesa. Pego um guardanapo. Limpo alguns restos de suor na testa.

Agora estou deitado. Devo ter acordado tarde demais. Está anoitecendo.

Minalva continua alongada em minha colcha peruana. O seu baby doll é verde. Prefiro mulheres que dormem. Nuas.

Agora me pergunto se a conheço. Se fora uma trepada da qual só me recordo vagamente. Talvez na falta de Helena tenha ligado para ela. Há quanto tempo ela vive comigo? Os dias passam e ela continua vestindo o seu baby doll. Verde. E eu não a conheço muito bem. Fazem dois meses.

Arritmia. Meu peito machuca. Sinto o catarro preso. Mas eu não fumo. Mesmo o cheiro do cigarro me arrepia. Deve ser a poluição. Ou o gosto do abandono. O gosto dela.