sexta-feira, julho 14, 2006

sinais fortuitos de novos tempos....

Se alguém entrasse neste corredor (onde estamos Gustavo e eu agora mesmo) desejaria não estar aqui. Não que a cena fosse dilacerante ou insuportável. Não que estivéssemos comendo nossas respectivas fezes. Por mim posso garantir nunca ter experimentado os detrimentos de Gustavo. Quanto a ele, talvez soubesse mais sobre o caso, de maneira indireta, logo após algumas sessões de sexo anal que tivemos. Mas, foi no passado! Há como almejaria agora estar deliciando-me ao relatar as sessões de gula escatológica. Porém, como ia dizendo, neste corredor a cena é minimalista e assexuada. Estamos Gustavo e eu, de pé um na frente do outro. Não nos encaramos (não valeria a pena). Estamos em silêncio. Estamos praticamente imóveis. Meus braços caem relaxadamente e os de Gustavo estão cruzados. Ele parece sentir frio. Eu me mexo. Pouca coisa. Tento aproximar meu rosto do dele. Aproximar somente. Por nenhum motivo específico.Foi-me recusado. Talvez Gustavo tenha imaginado ser uma expressão de desejo, ou talvez mesmo de amor. Acho que Gustavo ficaria quase que contente se soubesse que me incomoda a sensação de estar ali, fazendo parte desta austera cenografia como um objeto perdido. Prefere o meu desconforto ao melodrama amoroso. É mais sóbrio, diria ele, portanto mais maduro e verdadeiro. Eu no fundo, acho um equívoco confundir maturidade com veracidade, como se o tempo contivesse em si degraus que levam ao SENTIDO. Besteira. Pensando assim, cairíamos sempre num raciocínio tautológico. E de fato, neste longo corredor parecíamos um teorema, o tempo hipnotizado, e nós dois como prova cabalística do NADA é NADA e vice-versa. Vocês entraram justamente no momento em que o teorema completava o rodeio da questão do SENTIDO. Isto é, continuamos ali, parados, mas agora (pelo menos no que diz respeito a minha pessoa) com dúvidas e um certo formigamento nos pés. Ouço a porta bater. Ouço alguns passos. Demoro em reabilitar os movimentos de meus membros. Então, não giro meu rosto. Vocês não passam de sons, ruídos e calor. Sim, sinto a presença de corpos estranhos pelo calor. Acho que sim. Não posso garantir. Gustavo e eu, neste corredor, como se estivéssemos num vídeo clip da Björk. Cenário tecnológico, infantilizado e macabro.O estado de espírito primitivo, muito primitivo. Se não fossem aquelas paredes envidraçadas e os contornos de aço inoxidável, teríamos a certeza de termos sido catapultados para o interior de uma caverna no tempo em que a comunicação desconhecia os gestos. Se é que este tempo jamais existira. Um tempo sem linguagem. Aonde cada individuo de uma sociedade seria acima de tudo uma caricatura da solidão. Este sentimento tão primitivo. Esta Coisa. Então eu não pude vê-los (Gustavo tão pouco). Vocês estavam junto à porta e nós permanecemos imóveis. Foi um caso típico do encontro que poderia ter acontecido, se não fosse a solidão a desenhar impossibilidades. Esta Coisa sólida cujas propriedades estanques não se misturam. Vocês caminham devagar. Parecem amedrontados. Porque? Não querem experimentar uma dose de eternidade? Gustavo encarou-me. Ele não sorriu com os lábios. Não precisou. Eu retribui a graça. Meus lábios juntaram-se formando uma meia lua silenciosa. Daqui, Gustavo e eu sabemos ser pouco recomendável olhar para trás. No passado estão vocês e suas coisas. E para o futuro? A frente do ponto aonde estamos neste corredor de vidro e aço? Gustavo levantou a sola dos pés, jogou o corpo levemente para frente, apertou as pálpebras. Espiou. Depois, voltou para sua posição inicial mostrando um certo desinteresse. Bocejou. Pensaram que eu não os vi, curiosos, dando outros curtos passos para frente, hein? Pois bem, eu não vi mesmo. Pressuponho que assim tenha sido quando ouvi os passos vindo do passado dentro do bocejo de Gustavo. Eu teria cuspido. Sem dúvida. Mas ele apenas fechou novamente a boca, trancando tudo aquilo dentro de si. O corpo pesado e lânguido de Gustavo soltou-se contra a parede de vidro. O dia está nublado. A paisagem é imprecisa. Uma massa de vapor cinza orna a silhueta de Gustavo.Vocês já estão indo?? Calculo que faltam apenas 101 longos passos para nos encontramos. Vocês desistem? Ouço a porta fechar esvaziando o nosso passado. Vocês resolveram nos deixar a sós. Nosso passado agora às moscas. E nosso futuro agora na boca do Inferno.