terça-feira, fevereiro 07, 2006

Insonia Coletiva #1 - Flavio Mario, Helena e Minalva

_ Procuro com cuidado o esconderijo das viceras. Estarao, compactadas, a fazer pequenas excursoes ecologicas à massa dos homens? Atravessam o volume ilusorio das veias ao relento? A lenta absorçao da massa diurna na alvura do corpo de Helena, nua. Dentro da sauna seca sem o corpo Dela. Esboça um romantismo alienado que me emociona. Helena levanta-se dispensando o proprio corpo sem desperdir-se desta unica lembrança emprestada como teriam sido todas as outras.

Helena nua. Esquecida do chao aonde deitou o seu proprio corpo: limpa o vapor d’agua que escondia no vidro o meu rosto. E me ve passar. Rapidamente. Sorrindo para as imagens gravadas nos ecos, que ecos? Ali compartilhados.

_ Nunca esteve tao perto de meus olhos. Nos olhos abertos de Helena sem seu corpo nao vejo nada. E ouço-a. Pinça o hiatus entre os ruidos de suas proprias palavras. Ondulam. Abre-se em raios a paupebra interceptando o fenomeno da minha imprecisa percepçao. Do Tempo teso nesta enorme bacia branca. Fatidico. Ou sera que o espaço desta bacia branca é um de seus antepassados (porque nao o unico deles)? Um molde que preceda ou anteveja a idéia tao inutil (ou cruel?) de Tempo. Ou sera ainda um corpo de Helena concavo dizendo cuidado pedindo silencio acendendo uma lanterna, um feixe de laser. Algum tipo de matéria cuja temperatura desnorteie o espaço sempre preenchido até de suas ausencias o espaço é quase um fato. Helena nao tem que pedir nada. Alias Helena esta ali calada e concava. Absorvendo a temperatura que pertuba o espaço. Chega Helena, cansei da tua placida mentira. Cansei dos circulos que teu olhar estreita sempre que me olha. Voce quer me enaltecer, Helena. Ha! Quicar meu corpo dentro de uma mola e estar sempre por perto deste espetaculo: a forma concisa. Como teu corpo comprado.

Pela primeira vez, Helena bate-me a porta na cara;um gesto de explicita desilusao. Carrega as proteses deixadas no corredor como uma vitrinista ocupada. Pensa, mesmo de costas atras da porta fechada, sei que pensa numa ruptura definitiva. E esta minha certeza do que nao foi dito a impede de sair de casa. Posso imagina-la agora, depois de todos esses minutos escorridos, recompondo as partes de sua natureza programada. Uma reaçao tipica. Admito que amo Helena : programada. Longilinea e reativa. A beira de qualquer tipo de caos dentro do qual ela pode rapidamente rodopiar e reorganisar-se. Uma espécie de interface neural que recusa qualquer significado extraido. O lento Significado esta morrendo dentro da Palavra.

Pude reconhecer os ruidos das partes soltas de Helena, rolando corredor abaixo e ela correndo atras delas. Francamente, nao abri a porta nem por uma brecha , provalvelmente porque o que gosto em Helena è de seu Silencio meu monologo.

O estardalhaço nao estava previsto. Tuas respostas sao sempre cheias de convicçao encomendada, como por exemplo “ Quem nao sabe de que outra coisa falar, fala de si.” ao passo que nao te pergunto mais. Nao por falta de duvidas, quantas, sobrepondo-se umas às outras, vascam. Helena como primeira fulana totalmente artificial: vasca. O que?

_ O que vejo sao pequenos movimentos atuantes destinados a multiplicar os pontos de partida. Teria sido muito melhor se voce,Helena, permanecesse naquele bendito banheiro o chao frio a pele alva e blablabla. Estaria falando de mim eu sei eu sei mas através de voce, o que considero uma atitude bastante altruista. Agora depois deste episodio absurdo nao consigo nem entender porque voce se sujeita a sair por ai com este corpo mal encaixado e aberto. (Se um vizinho abrisse a porta e deparasse-se com um de teus rins abandonados? Eu me sinto horrivel por voce.) Considero-te pessima condutora: se me quiseste menos abstrata poderia ter ao menos tentado ser menos beata metafisica a limpar aquele bendito vapor d’agua no box do banheiro. Pior: sair daquele recinto monocromatico deixando o vestigio numa linha de sangue teu. Faça-me o favor! Fiquei até preocupada achando que (por mais fantasmagorico que poderia parecer) voce estaria me revelando uma terra abandonada uma mudança de era, e que estariamos voce e eu no centro deste turbilhao nostalgico. Helena, eu tive de deixar escorrer lagrimas diante de tal revelaçao! Voce caminhando nua naquele Grande Espelho d’Agua e todas aquelas discuçoes sobre as imagens das imagens ilusorias nas quais banhamos nossas horas de trabalho. Como se ilusao fosse um termo desfazado desapropriado girei em torno de um realismo cirurgico delicado definindo as particulas desta Ilusao até que elas adquirissem vida propria e cada particula tomou conta de um espaço asséptico sem ter nada a dizer por isso o final do Significado que te falei como viciados em massa de mescalina ou apenas diferentes- uma metaformose ja no termino de seu processo- e neste caso porque haveria espaço para a dialética? È claro que voce de tudo ja sabia e menosprezei tua cinética interna como se voce fosse a louca encantada que eu fugia de mim da minha arrogante ignorancia como quem foge de um lodo faminto. È, Helena…Mas por favor, Helena. Volte. Prometo mudar de olhos, transplanta-los se necessario.


Estou esperando uma resposta. Estou esperando uma resposta. Volte! Volte! Espero impacientemente uma resposta! Vou abrir um alcool ali e voltarei em breve nao desisto: quero uma resposta positiva, Helena. Estou girando em torno de ti Helena. Isso quer dizer querer um sinal de vida, Helena.


_ (surpreendido) Quem é voce?

_ Minalva.

_ Como assim Minalva? O que voce fez com Helena linda Helena?

_ Quem?

_(suspiro desiludido)… Minalva…Minalva…(pausa) Que apito voce toca?

_ Nenhum.

_ Nenhum?

_ Te trouxe esta carta.

Minalva abre a mao esparramando seus dedos longuissimos no ar. Cravado entre as linhas da mao Dela: um risco rectilineo.

Botei-me a beijar ardentemente a mao de Minalva. Por um segundo ela pode ter pensado que sou ( ), mas entenda, esperava apaixonadamente Helena desaparecida, e surge Minalva trazendo na mao cravada um falo delicado seguro. Ajoelhei de tao antigamente humana Minalva parecia ser. Nada de Interfaces ou pesadelos analogos. Um falo cravado na palma da mao como sinal de reconciliaçao. Sei que Helena esta por detras desta artimanha. Nao ligo, terei Helena e Minalva rectilineas na palma de minha mao. Disse “ Senta ai, Minalva.”() “Um pouco de alcool?” Ela balança a cabeça negativamente. Entao ta bom. Vejo a orbita da bola em torno de seu pescoço. Imagino suas impressoes. Um quarto sem interesse, os livros entulhados, papéis e montanha deles, uma cama na vertical encostada na parede o travesseiro colado nela como uma poltrona improvisada nenhuma musica ambiente e os cilhos pintados de verde esmeralda de Minalva decepcionam-se.